quarta-feira, 20 de maio de 2009

Dor (escombro)

Comecei por torcer o pescoço, encostar o nariz aos ombros, os dentes à pele. Depois, fiz força e mordi, até entrar no território da carne, o sangue em fuga.
Mastiguei-me, senti cada osso a estalar-me entre os dentes, os tendões a separarem-se do corpo, os músculos fracos a despedirem-se do tronco.
Não me doeu absolutamente nada. Como me costumavam dizer em criança "não é dor, é impressão".
Foi à força da boca que me separei dos meus braços, um de cada vez, enquanto me cuspia o sangue e as entranhas.
Não os quero mais. Eles querem demasiado agarrar-te. Eu quero demasiado agarrar-te.
Matei-me os braços, que me caíram um a um no chão, para não poder não me despedir de ti.
Entende que não me faz impressão que nos separemos.
Dói-me.